Combustíveis de aeronaves
A aviação é uma área que exige um conhecimento detalhado e preciso sobre diversos aspectos técnicos, sendo a escolha e uso de combustíveis um dos mais críticos. O combustível usado em aviões não é apenas um líquido inflamável, mas um componente vital que precisa atender a rigorosos padrões de desempenho e segurança.

Este post aborda os processos de obtenção, as propriedades e as particularidades dos combustíveis utilizados na aviação, especialmente a gasolina de aviação, destacando sua importância para o funcionamento eficiente e seguro das aeronaves.
1. OBTENÇÃO DO COMBUSTÍVEL
A obtenção dos combustíveis usados na aviação é realizada através da destilação fracionada do petróleo. Esse processo consiste em aquecer o petróleo para evaporar as frações voláteis e recolhê-las separadamente através do resfriamento. Dessa forma, são obtidos diversos produtos, como éter, gasolina, querosene, óleo diesel e óleos lubrificantes.
Os combustíveis obtidos do petróleo são conhecidos como combustíveis minerais, em contraste com o álcool, que é um combustível de origem vegetal.
Na aviação, como regra geral, a gasolina de aviação é utilizada nos motores a pistão, enquanto o querosene é empregado nos motores a reação, também conhecidos como motores a turbina. A gasolina de aviação é composta principalmente por hidrocarbonetos e é utilizada em motores de aeronaves de pequeno porte, como os de pistão.
Já o querosene, que também é composto por hidrocarbonetos, é utilizado em motores de aeronaves maiores, como os de turbina, devido às suas propriedades específicas que o tornam mais adequado para esse tipo de motor.

As propriedades da gasolina são de extrema importância para o seu desempenho e utilização como combustível na aviação. As propriedades mais relevantes da gasolina incluem o poder calorífico, a volatilidade e o poder antidetonante.
a) Poder Calorífico: O poder calorífico da gasolina é a quantidade de calor liberada pela combustão de uma determinada quantidade desse combustível. A gasolina é conhecida por ter um dos mais altos poderes caloríficos entre os combustíveis, o que a torna uma escolha eficiente para a geração de energia térmica durante a combustão.
b) Volatilidade: A gasolina é uma mistura de vários líquidos combustíveis chamados hidrocarbonetos. Alguns desses componentes possuem alta volatilidade, o que significa que eles têm a capacidade de vaporizar rapidamente em baixas temperaturas. Essa característica de alta volatilidade da gasolina é fundamental para permitir a partida fácil do motor, especialmente em condições de baixa temperatura.
c) Poder Antidetonante: O poder antidetonante da gasolina é a sua capacidade de resistir à detonação, também conhecida como batida de pinos. A detonação ocorre quando a mistura ar/combustível no cilindro do motor entra em combustão de forma não controlada, o que pode levar à perda de potência e danos ao motor. Portanto, o poder antidetonante da gasolina é crucial para garantir o bom funcionamento do motor, evitando a detonação e mantendo a eficiência da combustão.
Essas propriedades da gasolina são essenciais para garantir o desempenho adequado dos motores de aeronaves, especialmente em termos de eficiência energética, facilidade de partida e segurança operacional.
3. A COMBUSTÃO DA GASOLINA
A combustão pode ocorrer de três diferentes maneiras no motor: por combustão normal, pré-ignição e detonação.
a) Combustão Normal – Durante a combustão normal da gasolina em um motor, o processo de ignição ocorre na vela de ignição, onde uma centelha é gerada para inflamar a mistura de ar e combustível. Essa chama resultante se propaga de forma progressiva e controlada ao redor da câmara de combustão, queimando a mistura de forma uniforme e precisa. A pressão e a temperatura aumentam conforme a queima avança, gerando a energia necessária para impulsionar o pistão para baixo e converter a energia calorífica em energia mecânica.
Durante esse processo, a chama fronteira avança do ponto de ignição para ao redor do cilindro, comprimindo os gases à frente dela. A velocidade do percurso da chama é influenciada por diversos fatores, como o tipo de combustível, a razão da mistura combustível/ar, a pressão e a temperatura da mistura. Em condições ideais, a combustão normal ocorre de forma suave e eficiente, proporcionando a potência necessária para o funcionamento do motor.

b) Pré-Ignição – A pré-ignição é um fenômeno no qual a combustão da mistura ar/combustível ocorre de forma prematura, antes da centelha ser gerada pela vela de ignição. Essa ignição antecipada é desencadeada por um ponto quente na câmara de combustão, que pode ser causado por diversos fatores, como a vela superaquecida, depósitos de carbono incandescentes no pistão ou na câmara, entre outros.
Quando a pré-ignição ocorre, a chama se propaga de maneira progressiva, similar à combustão normal, porém de forma prematura. Isso resulta em um aumento rápido e descontrolado da pressão dos gases enquanto o pistão ainda está em seu movimento de compressão, o que pode levar à perda de potência do motor e ao superaquecimento do mesmo. A pressão excessiva gerada pela combustão prematura pode causar danos estruturais no motor, além de afetar negativamente seu desempenho.
É importante ressaltar que a pré-ignição é um problema sério que deve ser evitado, pois pode resultar em danos significativos ao motor e comprometer sua operação adequada. Por isso, é fundamental seguir as recomendações do fabricante em relação à qualidade do combustível, manutenção preventiva e ajustes adequados para garantir o correto funcionamento do sistema de ignição e prevenir a ocorrência desse fenômeno prejudicial.

c) Detonação ou “Batida de Pinos” – A detonação, também conhecida como “batida de pinos”, é um fenômeno de combustão praticamente instantânea ou explosiva que ocorre de forma descontrolada, sem o avanço progressivo da chama, resultando em um pico repentino de pressão sobre a cabeça do pistão. Esse aumento súbito na pressão gera um ruído característico, assemelhando-se a batidas de martelo, daí o nome popular “batida de pinos”.
As principais causas da detonação incluem a utilização de combustível com baixo poder antidetonante, operação do motor com mistura muito pobre, superaquecimento do cilindro e compressão excessivamente alta. Quando a detonação ocorre, pode ser antes ou depois da faísca na vela de ignição, e também pode estar associada ou não à pré-ignição.
As consequências da detonação são severas e podem incluir a perda de potência do motor, superaquecimento do sistema, fraturas e danos nos anéis de segmento, pistões e válvulas, queima do óleo lubrificante e até mesmo a parada do motor. Esses danos estruturais e operacionais podem comprometer seriamente o funcionamento do motor, levando a custosas reparos e até mesmo à necessidade de substituição de componentes danificados.
Portanto, é fundamental evitar a detonação por meio da utilização de combustível adequado, manutenção preventiva do sistema de combustão, controle da temperatura do motor e ajustes corretos de compressão. A detonação é um problema sério que, se não for tratado adequadamente, pode resultar em danos significativos ao motor e comprometer sua eficiência e durabilidade.

4. ÍNDICE DE OCTANO (IO)
O índice de octano, também conhecido como IO, é um valor numérico atribuído à gasolina para indicar sua capacidade de resistir à detonação, ou seja, seu poder antidetonante. Esse índice é determinado por meio de testes realizados em um motor CFR (Cooperative Fuel Research), que é um motor de laboratório com compressão variável.
O método de determinação do índice de octano consiste em realizar testes comparativos entre a gasolina a ser avaliada e diversas misturas padrão de isooctano e heptano. O isooctano puro, que possui a máxima resistência à detonação, é atribuído com um índice de octano de 100, enquanto o heptano puro, que é mais propenso à detonação, tem um índice de octano de zero.
Ao realizar os testes no motor CFR, uma mistura padrão específica, por exemplo, contendo 87% de isooctano e 13% de heptano, recebe o índice octânico de 87. Se a gasolina desconhecida se comportar de forma semelhante a essa mistura padrão no motor CFR, sua octanagem será designada também como 87. Isso significa que a gasolina em questão possui a mesma resistência à detonação que a mistura padrão de 87% de isooctano e 13% de heptano.
Portanto, o índice de octano é uma medida importante para classificar a qualidade do combustível e sua capacidade de resistir à detonação em motores de combustão interna, auxiliando na escolha do combustível mais adequado para garantir o bom funcionamento do motor e prevenir danos causados pela detonação.
5. ÍNDICE DE DESEMPENHO (ID)
O índice de desempenho é usado quando a gasolina possui octanagem maior que 100. É calculado através de uma fórmula convencional arbitrária.
6. GASOLINA DE AVIAÇÃO E SEUS ADITIVOS
A gasolina de aviação no Brasil, denominada AVGAS-100LL (Aviation Gasoline 100 Octane Low Lead), possui uma octanagem de 100 para mistura pobre e 130 para mistura rica, sendo mais detonante quando a mistura é pobre. Os principais aditivos incorporados a essa gasolina são:
a) Chumbo Tetraetila: É um aditivo necessário para atingir a octanagem especificada. No entanto, é um produto muito venenoso e de uso legal apenas na aviação. Sua quantidade é reduzida ao mínimo possível, indicado pelo termo “LL” (Low Lead), visando minimizar os impactos ambientais e à saúde.
b) Corante Azul: Este aditivo é exigido pela legislação e serve para identificar visualmente o tipo de gasolina de aviação, facilitando o seu reconhecimento e manuseio adequado.
c) Outros Aditivos: Além do chumbo tetraetila e do corante azul, a gasolina de aviação pode conter outros aditivos. Estes incluem aditivos para reduzir o acúmulo de chumbo e seus compostos nas velas e válvulas do motor, aditivos para evitar a oxidação da gasolina pela reação com o oxigênio do ar, e aditivos antiestáticos para reduzir o acúmulo de eletricidade estática e o consequente risco de incêndio durante o abastecimento e operação da aeronave.
Esses aditivos são essenciais para garantir o bom desempenho e a segurança no uso da gasolina de aviação, atendendo às especificações técnicas e regulamentações vigentes na aviação.
7. DETERIORAÇÃO DA GASOLINA
A deterioração da gasolina pode ser causada por diversos fatores, como a exposição ao ar, água, luz, calor, evaporação parcial e estocagem prolongada nos tanques da aeronave. Quando a gasolina se deteriora, isso pode resultar em diversos problemas, tais como:
a) Entupimento de Filtros: A deterioração da gasolina pode levar à formação de gomas e depósitos sólidos diversos, que podem obstruir os filtros do sistema de combustível da aeronave. Isso pode prejudicar o fluxo de combustível e comprometer o desempenho do motor.
b) Dificuldade de Partida: A perda dos componentes mais voláteis da gasolina devido à evaporação pode causar dificuldades na partida do motor. A gasolina deteriorada pode não vaporizar corretamente, afetando a formação da mistura ar/combustível necessária para a combustão.
c) Funcionamento Irregular do Motor: A alteração da composição química da gasolina e a contaminação por água, que podem ocorrer devido à deterioração, podem resultar em um funcionamento irregular do motor. Isso pode se manifestar em falhas de ignição, perda de potência e outros problemas de desempenho.
d) Corrosão no Sistema de Combustível: A deterioração da gasolina pode aumentar a acidez do combustível, o que pode levar à corrosão de componentes do sistema de combustível da aeronave. A corrosão pode danificar tanques, tubulações e outras partes do sistema, comprometendo a segurança e a operacionalidade da aeronave.
Portanto, é fundamental manter a qualidade e a integridade da gasolina de aviação, evitando sua deterioração por meio de práticas adequadas de armazenamento, manuseio e manutenção dos sistemas de combustível da aeronave.
A compreensão detalhada sobre a obtenção, propriedades e efeitos dos combustíveis de aviação é essencial para garantir a segurança e a eficiência operacional das aeronaves. Desde a destilação fracionada do petróleo até os cuidados necessários para evitar a deterioração do combustível, cada aspecto desempenha um papel crucial no desempenho dos motores.
A gasolina de aviação, com suas especificidades e aditivos, demonstra a complexidade envolvida na escolha e no uso adequado dos combustíveis. Portanto, é fundamental continuar estudando e aprimorando nossos conhecimentos nessa área para manter os padrões elevados de segurança e desempenho na aviação.
GLOSSÁRIO (ordem alfabética)
Água no combustível
Presença de água (dissolvida ou livre) acelera a deterioração da gasolina e pode causar falhas no motor. A água tende a se acumular nos pontos mais baixos do sistema e, se chegar ao carburador ou à linha de alimentação, pode interromper a combustão. Por isso, é essencial drenar e inspecionar o combustível antes do voo.
Aditivos antiestáticos
Substâncias adicionadas para reduzir o acúmulo de eletricidade estática no combustível. Diminuem o risco de faíscas durante o abastecimento e a transferência, contribuindo para a segurança operacional no solo.
Aditivos antioxidantes
Agentes que retardam a oxidação da gasolina pelo contato com o oxigênio do ar. Evitam formação de resíduos e perda de qualidade, prolongando a vida útil do combustível estocado.
Batida de pino (Detonação)
Combustão anormal em que parte da mistura ar–combustível inflama de forma explosiva após a ignição normal. Provoca perda de potência, aumento de temperatura e pode danificar o motor. É atenuada por combustíveis com maior poder antidetonante.
Chumbo tetraetila (TEL)
Aditivo tradicional na gasolina de aviação para elevar o poder antidetonante. Reduz a tendência à detonação em motores de alta compressão, mas exige controle de depósitos nas velas e cuidados ambientais.
Combustão normal
Queima controlada da mistura ar–combustível iniciada pela centelha da vela, propagando-se de maneira uniforme dentro do cilindro. Garante melhor eficiência e durabilidade do motor.
Destilação fracionada
Processo de obtenção dos combustíveis a partir do petróleo. O petróleo é aquecido e suas frações voláteis evaporam e são separadas ao resfriar, gerando produtos como éter, gasolina, querosene, óleo diesel e lubrificantes.
Deterioração da gasolina
Perda de qualidade causada por exposição ao ar, água, luz, calor, evaporação parcial e estocagem prolongada. Pode resultar em partida difícil, funcionamento irregular e formação de depósitos no sistema de alimentação.
Gasolina de aviação (AVGAS)
Combustível usado em motores a pistão. É uma mistura de hidrocarbonetos com alto poder calorífico, boa volatilidade para facilitar a partida a frio e aditivos (como TEL, antioxidantes e antiestáticos) para manter desempenho e segurança.
Hidrocarbonetos
Compostos formados por carbono e hidrogênio que constituem a base da gasolina e do querosene de aviação. Suas proporções e estruturas determinam propriedades como volatilidade, poder calorífico e resistência à detonação.
Motor a pistão
Tipo de motor no qual a gasolina de aviação é mais utilizada. Converte a energia térmica da combustão em movimento mecânico por meio de pistões, bielas e virabrequim.
Motor a turbina (motor a reação)
Conjunto propulsor que utiliza querosene de aviação. A combustão contínua em uma câmara aquece o ar, que se expande através de turbinas e/ou bicos de escape para produzir empuxo. É típico de aeronaves de médio e grande porte.
Poder antidetonante
Capacidade do combustível de resistir à detonação (batida de pino). Quanto maior essa capacidade, mais protegido o motor fica contra combustão anormal, especialmente em altas cargas e temperaturas.
Poder calorífico
Quantidade de calor liberada pela queima de uma certa massa de combustível. Combustíveis com alto poder calorífico fornecem mais energia para o motor, contribuindo para melhor desempenho.
Pré-ignição
Inflamação da mistura ar–combustível antes da centelha da vela, causada por pontos superaquecidos (como depósitos ou arestas quentes). Pode elevar drasticamente a temperatura e causar danos se persistir.
Querosene de aviação (JET)
Combustível utilizado em motores a turbina. Também é composto por hidrocarbonetos, porém com propriedades adequadas à combustão contínua, estabilidade térmica e desempenho em grandes altitudes.
Volatilidade
Facilidade com que o combustível vaporiza. Volatilidade adequada facilita partidas a frio e a formação da mistura, mas precisa ser equilibrada para evitar problemas como vapour lock em condições quentes.
FAQ (perguntas e respostas para estudantes)
P: Por que a gasolina é usada em motores a pistão e o querosene em motores a turbina?
R: Porque cada motor exige características diferentes de queima. Motores a pistão se beneficiam da volatilidade e do poder antidetonante da gasolina; turbinas precisam de um combustível estável para combustão contínua, com boa performance em altitude, como o querosene.
P: O que diferencia detonação de pré-ignição no motor?
R: Na detonação, parte da mistura inflama de forma explosiva após a ignição normal, causando “batida de pino”. Na pré-ignição, a mistura inflama antes da centelha, por um ponto quente. Ambas são prejudiciais, mas têm causas e momentos distintos.
P: Como o poder antidetonante protege o motor?
R: Ele aumenta a resistência do combustível à combustão anormal sob altas temperaturas e pressões, reduzindo a tendência de batida de pino e preservando potência, eficiência e componentes internos.
P: Por que são usados aditivos na gasolina de aviação?
R: Para elevar o poder antidetonante (como o TEL), reduzir oxidação, minimizar depósitos e diminuir eletricidade estática. Esses aditivos mantêm desempenho e segurança durante estocagem, abastecimento e operação.
P: Quais fatores mais aceleram a deterioração da gasolina?
R: Contato com ar, presença de água, luz, calor e estocagem prolongada. Controlar vedação, temperatura e tempo de armazenamento ajuda a preservar a qualidade.
P: O que é volatilidade “na prática” e por que o equilíbrio importa?
R: É a facilidade de vaporização. Se for baixa, o motor pode ter dificuldade de partida a frio; se for excessiva em ambiente quente, pode gerar bolhas (vapour lock). O equilíbrio garante partida confiável e funcionamento regular.
P: Como a presença de água causa problemas no voo?
R: A água se acumula nos pontos baixos do sistema e pode atingir o carburador ou a linha de injeção, interrompendo a combustão e provocando falhas. Por isso, sempre se faz a drenagem/inspeção antes do voo.
P: Por que o querosene é mais adequado para grandes altitudes?
R: Suas propriedades físico-químicas garantem estabilidade térmica e boa performance em combustão contínua, mesmo com baixas temperaturas externas e baixa pressão, típicas de cruzeiro em altitude