Boletim de Serviço, Diretriz de Aeronavegabilidade e Manual de Manutenção
A segurança na aviação é primordial e garantida por uma série de documentos e regulamentações rigorosas. Para leigos, a terminologia pode parecer complexa, mas entender a função de cada documento é vital para compreender como as aeronaves são mantidas em condições seguras de voo.
Vamos ver aqui a relação entre o Boletim de Serviço (BS), a Diretriz de Aeronavegabilidade (DA) e o Manual de Manutenção, usando um exemplo real de um Boeing 737.
Boletim de Serviço (BS)
O boletim de serviço é um documento emitido pelo fabricante da aeronave, motor ou componente. Ele tem como objetivo propor correções para falhas identificadas, melhorias de desempenho ou atualizações técnicas. Na maioria dos casos, o boletim é apenas uma recomendação, ou seja, não é obrigatório, a menos que uma autoridade aeronáutica o torne assim ou o próprio fabricante determine sua obrigatoriedade.
Fabricantes:
- Aeronaves: Boeing, Airbus, Embraer, Lockheed Martin, Bombardier.
- Motores: Rolls-Royce, General Electric (GE Aviation), Pratt & Whitney, Safran Aircraft Engines.
- Componentes: Honeywell, Collins Aerospace (anteriormente Rockwell Collins), Liebherr Aerospace, Spirit AeroSystems.
Exemplo: O Boeing Service Bulletin 737-57-1320, datado de 7 de outubro de 2016, foi emitido para abordar uma condição em que a porta de acesso do tanque de combustível em uma linha da asa do Boeing 737 não possuía um caminho de aterramento com a estrutura da asa.

O BS propõe a substituição da porta, verificação da ligação elétrica e ações corretivas para garantir aterramento adequado.
Diretriz de Aeronavegabilidade (DA)
Exemplo: A Diretriz de Aeronavegabilidade EASA AD 2017-17-09 tornou obrigatórias as ações descritas no Boeing Service Bulletin 737-57-1320 para os aviões Boeing 737-300, -400 e -500. A EASA determinou que a ausência de aterramento adequado poderia aumentar o risco de ignição e explosão do tanque de combustível em caso de raio.
A diretriz de aeronavegabilidade é um documento emitido por uma autoridade aeronáutica, como a ANAC (Brasil), FAA (EUA) ou EASA (Europa), quando se identifica que uma falha ou condição pode comprometer a segurança do voo. Diferente do boletim, a DA é sempre obrigatória. Ela pode exigir que um boletim de serviço seja cumprido, tornando-o obrigatório.

Embora o BS seja um documento proprietário, a DA o incorpora por referência, tornando suas instruções acessíveis publicamente para cumprimento.
Manual de Manutenção de Aeronaves
O manual de manutenção é o documento oficial que orienta as inspeções, reparos e ações preventivas na aeronave. Ele é elaborado pelo fabricante ou operador e deve ser seguido rigorosamente. Nele, devem constar todas as ações recomendadas ou exigidas, como boletins e diretrizes, assegurando a operação segura da aeronave.
Como esses documentos se relacionam
A relação entre esses documentos segue uma cadeia de segurança:
- O fabricante (ex: Boeing) detecta uma falha (como o aterramento inadequado na porta do tanque de combustível) e emite um Boletim de Serviço (BS 737-57-1320) com a solução.
- A autoridade aeronáutica (ex: FAA) analisa a situação e, se necessário, emite uma Diretriz de Aeronavegabilidade (AD 2017-17-09), tornando obrigatória a correção.
- O operador ou oficina precisa registrar essa diretriz e o BS no programa de manutenção (Manual de Manutenção), garantindo a conformidade.
Essa interconexão assegura que qualquer problema identificado seja comunicado e corrigido em toda a frota afetada, mantendo os padrões de segurança na aviação.
Tabela Comparativa
Documento | Emitido por | É obrigatório? | Para que serve |
---|---|---|---|
Boletim de Serviço (BS) | Fabricante | Em geral, opcional | Propor soluções técnicas |
Diretriz de Aeronavegabilidade (DA) | Autoridade aeronáutica | Sempre obrigatória | Corrigir falhas que afetam a segurança |
Manual de Manutenção | Fabricante ou operador | Obrigatório | Planejar, executar e registrar ações |
GLOSSÁRIO
Boletim de Serviço (BS): Documento emitido pelo fabricante da aeronave, motor ou
componente, com o objetivo de propor correções para falhas identificadas, melhorias de
desempenho ou atualizações técnicas. Geralmente é uma recomendação, a menos que
uma autoridade aeronáutica o torne obrigatório.
Diretriz de Aeronavegabilidade (DA): Documento emitido por uma autoridade
aeronáutica (como ANAC, FAA ou EASA) quando se identifica que uma falha ou condição
pode comprometer a segurança do voo. É sempre obrigatória e pode exigir o
cumprimento de um Boletim de Serviço.
Manual de Manutenção de Aeronaves: Documento oficial que orienta as inspeções,
reparos e ações preventivas na aeronave. É elaborado pelo fabricante ou operador e
deve ser seguido rigorosamente, incluindo todas as ações recomendadas ou exigidas
(como boletins e diretrizes).
ANAC: Agência Nacional de Aviação Civil (Brasil), uma autoridade aeronáutica.
FAA: Federal Aviation Administration (EUA), uma autoridade aeronáutica.
EASA: European Union Aviation Safety Agency (Europa), uma autoridade aeronáutica.
Aeronavegabilidade: A condição de uma aeronave estar apta para voar com segurança,
em conformidade com os regulamentos e padrões técnicos.
Fabricante: Empresa responsável pela produção de aeronaves, motores ou
componentes (ex: Boeing, Airbus, Rolls-Royce, Honeywell).
Operador: Empresa ou indivíduo que opera aeronaves.
Segurança de Voo: Conjunto de medidas e regulamentações que visam garantir que as
operações aéreas sejam realizadas sem riscos inaceitáveis para pessoas e bens.
GLOSSÁRIO
Ação corretiva
Medida aplicada para eliminar uma falha já identificada ou reduzir seu efeito. Em manutenção aeronáutica, costuma vir detalhada em procedimentos passo a passo no manual ou em um boletim de serviço.
Ação preventiva
Medida aplicada para evitar que uma falha ocorra. Pode incluir inspeções adicionais, substituição programada de peças ou atualizações recomendadas pelo fabricante.
Aeronautical Directive (AD) / Diretriz de Aeronavegabilidade (DA)
Documento emitido por uma autoridade aeronáutica quando há condição insegura que pode afetar a aeronavegabilidade. Diferente do boletim de serviço, a DA é sempre obrigatória e estabelece prazos e modos de cumprimento.
Aeronavegabilidade
Condição de a aeronave estar apta e segura para voar, conforme regulamentos. Envolve projeto aprovado, manutenção adequada e cumprimento de diretrizes e programas aplicáveis.
Aplicabilidade
Indicação de a quais modelos, séries ou números de série uma ação (BS/DA) se aplica. Garante que apenas aeronaves afetadas executem a correção.
Atualização técnica
Alteração recomendada pelo fabricante para melhorar desempenho, confiabilidade ou manutenibilidade, sem necessariamente estar ligada a uma condição insegura.
Autoridade aeronáutica
Órgão governamental responsável por regular e fiscalizar a aviação civil (ex.: ANAC, FAA, EASA). Pode tornar uma recomendação do fabricante obrigatória ao emitir uma DA.
Aterramento (ligação elétrica)
Conexão elétrica que mantém componentes ao mesmo potencial, prevenindo faíscas e descargas perigosas, especialmente em áreas críticas como tanques de combustível.
Boeing Service Bulletin (exemplo)
Exemplo de boletim de serviço que descreve inspeções e modificações específicas para modelos 737, ilustrando como um BS pode ser posteriormente referenciado por uma DA.
Boletim de Serviço (BS)
Documento emitido pelo fabricante de aeronave, motor ou componente, propondo correções, melhorias ou inspeções. Em geral, tem caráter recomendatório, a menos que se torne obrigatório por decisão do fabricante ou de uma autoridade.
Calendário de cumprimento (Compliance Time)
Prazos estipulados para executar uma ação mandatória (DA) ou recomendada (BS). Pode ser definido por horas de voo, ciclos, ou tempo de calendário.
Conformidade (compliance)
Comprovação de que uma ação exigida/recomendada foi realizada conforme instruções aplicáveis. Deve ser registrada na documentação de manutenção.
Documento proprietário
Material do fabricante cujo conteúdo detalhado pertence a ele. Quando uma DA “incorpora por referência” um BS, as instruções do boletim passam a ser de acesso público para fins de cumprimento.
EASA
Agência Europeia para a Segurança da Aviação. Exerce papel semelhante ao da FAA e da ANAC no contexto europeu, emitindo diretrizes de aeronavegabilidade.
FAA
Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos. Emite ADs e regulamenta a segurança aeronáutica no país, com influência global.
Fabricante
Empresa responsável pelo projeto e produção de aeronaves, motores ou componentes. Emite boletins de serviço e atualiza manuais de manutenção.
Inspeção
Exame visual ou instrumental para avaliar o estado de uma peça ou sistema. Pode ser inicial (para detectar a condição) ou recorrente (para monitoramento).
Incorporação por referência
Quando uma DA cita formalmente um BS, tornando obrigatórias as instruções do boletim para as aeronaves afetadas.
Manual de Manutenção da Aeronave (AMM)
Documento oficial com procedimentos de inspeção, reparo e teste. Deve ser seguido rigorosamente e atualizado para refletir BS/DA aplicáveis.
Melhoria de desempenho
Ajuste ou modificação sugerida para otimizar eficiência, durabilidade ou confiabilidade de sistemas e componentes.
Oficina de manutenção
Organização certificada para executar serviços de manutenção conforme regulamentos e manuais. É responsável por registrar adequadamente as ações realizadas.
Operador
Pessoa física ou jurídica que explora a aeronave em serviço. Deve garantir que o programa de manutenção esteja atualizado e em conformidade com BS/DA.
Programa de manutenção
Conjunto de tarefas de manutenção planejadas para manter a aeronavegabilidade. Deve incorporar ações de BS e cumprir DAs aplicáveis.
Recomendação x obrigatoriedade
BS geralmente recomenda; DA obriga. Um boletim pode se tornar obrigatório se um regulador emitir uma DA vinculando sua execução.
Registro de manutenção
Documentação oficial onde constam tarefas realizadas, referências técnicas utilizadas, aplicabilidade e comprovação de conformidade.
Risco de ignição em tanque de combustível
Perigo associado a falta de aterramento adequado ou a falhas que possam gerar faíscas. Mitigado por inspeções e correções descritas em BS/DA.
Série/Número de série (S/N)
Identificador de fabricação usado para definir a aplicabilidade exata de um BS/DA a determinadas aeronaves ou componentes.
Tanque de combustível – porta de acesso
Componente que, se não estiver corretamente aterrado, pode representar risco de faísca. Pode ser objeto de inspeções e modificações específicas.
FAQ – Perguntas Frequentes
P: Qual é a diferença prática entre Boletim de Serviço (BS) e Diretriz de Aeronavegabilidade (DA)?
R: O BS é, em regra, uma recomendação do fabricante para corrigir, melhorar ou inspecionar algo; já a DA é emitida por uma autoridade e é sempre obrigatória. Uma DA pode exigir que um BS específico seja cumprido.
P: Um BS pode se tornar obrigatório sem uma DA?
R: Em alguns casos, o próprio fabricante define obrigatoriedade no contexto de garantia, suporte ou continuidade de aeronavegabilidade, mas, para efeito regulatório, a obrigatoriedade é tipicamente estabelecida por uma DA.
P: Como sei se minha aeronave está afetada por um BS/DA?
R: Verifique a seção de “Aplicabilidade” e compare com o modelo, série, número de série e configuração da sua aeronave. O programa de manutenção e os registros técnicos também devem refletir essa análise.
P: O que significa “incorporado por referência” em uma DA?
R: Significa que a DA torna mandatórias as instruções descritas em um documento do fabricante (como um BS). Na prática, cumpre-se o que está no boletim para atender à DA.
P: Onde registrar o cumprimento de uma DA ou BS?
R: Nos registros de manutenção da aeronave, seguindo o formato exigido pelo regulamento aplicável. Inclua referência do documento, revisões, aplicabilidade, data e quem executou.
P: O manual de manutenção precisa ser atualizado quando sai uma DA?
R: Sim. O manual e o programa de manutenção devem refletir as novas exigências, incluindo tarefas, intervalos e métodos de inspeção/reparo.
P: Posso adiar o cumprimento de uma DA se a aeronave voa pouco?
R: Não. DAs trazem prazos e critérios específicos (horas, ciclos ou calendário). O não cumprimento dentro do prazo deixa a aeronave fora de condição de aeronavegabilidade.
P: E se um BS não for aplicável à minha configuração?
R: Registre a análise de não aplicabilidade com justificativa técnica (modelo/SN/configuração). Isso demonstra conformidade durante auditorias.
P: Como lidar com riscos de ignição em áreas críticas, como tanques de combustível?
R: Seguir rigorosamente os procedimentos de inspeção e aterramento definidos em BS/DA e manuais. Pequenos desvios podem comprometer a segurança.
P: Quem é responsável por garantir o cumprimento: operador ou oficina?
R: Ambos. O operador assegura que o programa de manutenção incorpore BS/DA aplicáveis; a oficina executa e registra corretamente as tarefas conforme o manual.
P: O que é “Compliance Time” e por que importa?
R: É o prazo de cumprimento. Ele define quando a ação deve ser feita (ex.: até X horas de voo, Y ciclos, ou até determinada data). Ignorar esse prazo coloca a aeronave fora de conformidade.
P: Um BS de motor pode afetar a aeronave inteira?
R: Sim, se houver interação com sistemas da aeronave (elétrico, combustível, estrutura). A aplicabilidade e as instruções dirão exatamente o que inspecionar e modificar.